A “socioafetividade”, conceito construído a partir da valorização do afeto nas relações familiares, adquiriu destaque no Direito de Família Brasileiro, sobretudo após a Constituição de 1988, que consagrou os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.
No âmbito jurídico, trata-se de vínculo que, embora nascido no plano afetivo e da convivência social, pode ser juridicamente reconhecido e gerar efeitos semelhantes ao parentesco biológico.
Neste contexto, a questão da socioafetividade post mortem (após a morte) surge quando se pretende o reconhecimento jurídico de uma relação de filiação ou parentesco fundada no afeto após o falecimento de uma das partes, geralmente a mãe ou o pai socioafetivo(a).
Embora a morte encerre a convivência, os efeitos sociais e afetivos dessa relação persistem, podendo justificar a declaração de filiação mesmo após o falecimento.
Segundo Lobo (2017), o vínculo socioafetivo, uma vez reconhecido por sentença, gera todos os efeitos jurídicos do parentesco civil, incluindo direitos pessoais e patrimoniais.
Portanto, tais efeitos também se aplicam ao reconhecimento post mortem, desde que comprovada a “posse do estado de filho”, caracterizada por três elementos centrais: afetividade, como fundamento e finalidade da entidade; estabilidade, excluindo-se os relacionamentos casuais; e ostensibilidade, que pressupõe uma unidade familiar que se apresente assim publicamente.
Apesar desses avanços teóricos e jurisprudenciais, o reconhecimento da socioafetividade post mortem ainda encontra obstáculos relevantes na prática jurídica, especialmente no campo da hermenêutica jurisprudencial.
Um exemplo emblemático é a resistência dos Tribunais em admitir a alteração do nome de pessoas já falecidas por iniciativa dos pais socioafetivos ou de terceiros interessados. Nestes casos, entende-se majoritariamente que o nome e os direitos relacionados ao estado civil são de natureza personalíssima, sendo, portanto, intransmissíveis. Assim, não seria possível a terceiros — ainda que tenham exercido, em vida, funções parentais legítimas e públicas — pleitearem modificações no registro do de cujus.
Por outro lado, a jurisprudência tem demonstrado abertura à flexibilização de certos critérios legais quando há efetiva comprovação da relação socioafetiva.
Um exemplo relevante é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem relativizado a exigência do § 3º do art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que exige diferença mínima de 16 anos entre a idade do adotante e do adotado.
Quando a diferença de idade é menor que 16 anos, mas há comprovação dos elementos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, a relação socioafetiva tem prevalecido sobre a rigidez formal da norma.
Diante desse panorama, evidencia-se que o reconhecimento da socioafetividade, especialmente em contexto post mortem, é um campo em constante construção e adaptação.
As decisões judiciais refletem, de um lado, a prudência na aplicação do direito em questões personalíssimas, mas, de outro, demonstram sensibilidade ao papel transformador das relações afetivas e suas consequências sociais.
A harmonização entre o afeto vivido, o reconhecimento jurídico e a proteção dos direitos fundamentais são, sem dúvida, os maiores desafios e uma das mais nobres missões do Direito de Família contemporâneo.
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Em decisão recente da 1ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Presidente Prudente, com atuação do escritório Martiniglei Aguiar Advocacia, o ilustríssimo Dr. Moisés Harley Alves Coutinho Oliveira, juiz titular, proferiu uma emocionada sentença, reconhecendo o vínculo socioafetivo entre a mãe e filhos, contendo reconhecimento com diferença de idade entre adotante e adotada de 14 anos e reconhecimento post mortem do filho.
Para o primeiro caso, o ilustre juízo fundamentou que embora houvesse diferença de apenas 14 anos entre a filha e a mãe afetiva, prevalecia a expressão de vontade livre de ambas.
Para o magistrado, a convivência entre elas demonstrava que a mãe afetiva era assim reconhecida desde que a adotada possuía 17 anos. Por fim, considerou que a diferença de idade não era o único critério exigível para o reconhecimento da filiação socioafetiva, mas o elemento definidor da família é a afetividade.
Ao falar sobre o reconhecimento do filho após a sua morte, destacou que, devido à forte ligação comprovada entre ele e a mãe afetiva — com quem convivia desde que tinha 11 anos — o reconhecimento da filiação afetiva seria a medida correta.
Para o juiz, a prova da proximidade dos dois e dos fortes laços firmados, eram suficientes para o reconhecimento da filiação socioafetiva, principalmente porque havia concordância dos demais irmãos dele.
A mãe afetiva buscou alterar o nome do filho falecido, porém o juízo entendeu que por tratar de direito personalíssimo, apenas esta parte do pedido não seria concedida.
Além destes dois filhos, esta mãe também conseguiu o reconhecimento de mais dois filhos, sendo os quatro, irmãos biológicos entre si.
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